Saudosa Arquibancada - Uma carta ao Tobogã - Crônica de Michel Yakini.

No último dia 29, O Tobogã do Pacaembu começou a ser demolido após Prefeitura de SP autorizar obras de reforma do estádio.

Saudosa Arquibancada - Uma carta ao Tobogã - Crônica de Michel Yakini.
Foto: Maurício Rummens/Fotoarena

Meu caro Tobogã,

Ando meio triste com essa notícia da sua demolição. Sempre soube que você não fazia parte do projeto original do Pacaembu, mas seus longos degraus era o lugar que eu mais gostava. Já tinha visto alguns jogos nas outras arquibancadas do Pacaembu e até mesmo no morrão que ficava acima do estádio, mas meu lugar preferido sempre foi você.

Minha primeira vez contigo foi em 1994, num Corinthians x São Paulo. Era inverno e o ingresso era a doação de um agasalho. Vi craques como Rivaldo (pois é, ele já jogou no Corinthians), Marcelinho Carioca e o goleiro Ronaldo Giovanelli atuarem, e os tricolores: Palhinha, Válber, Júnior Baiano, Rogério Ceni e o técnico Muricy, que eu via com mais frequência no Morumbi. Confesso, o Morumba é o meu preferido, mas se fosse pra eleger somente uma parte de algum estádio, meu coração bate forte por ti, Tobogã.

Fui naquele jogo com o falecido tio Tato, cê lembra? A gente desceu do busão com destino a Av. Pacaembu, pra dar de cara com o portão principal, mas era justamente por ali que a torcida adversária tava circulando. Meu tio tava vestido de Torcida Independente e em poucos segundos fomos rodeados por alguns corintianos sedentos pela camisa dele. Por sorte, era bem cedo e os caras deram um boi pelo nosso descuido de trajeto, e pelo fato de eu ser mulecão de tudo.

Depois, demos um tempo pros caras irem embora, seguimos sem fazer alarde e ninguém mais desconfiou da gente. No estádio, foi um alívio ver as bandeiras e a bateria da Independente na rua próxima do seu portão. Quando a gente entrou você ainda tava vazio, sentamos perto de um cara e começamos a contar sobre a história da camisa tomada. O mano se sensibilizou e disse que tinha uma camisa a mais, porque sempre trazia pra ficar rodopiando com a torcida, a hora que você ficava mais bonito, e deu a camisa pro meu tio voltar pra casa.

Outro jogo que foi marcante assistir pulando contigo, querido Tobogã, foi contra o Palmeiras em 2002, que terminou 1x1. Pelo São Paulo o gol foi do Luis Fabiano, que naquela época marcava em quase todos os jogos, e pelo Palmeiras foi do colombiano Muñoz, um dos poucos que se salvava daquele time rebaixado. Fui nesse jogo com um cara que trampava comigo e já era atento com o ritmo da arquibancada, conhecia vários cantos e sabia que ficar perto da organizada era responsa, porque os caras cobravam quem ficasse quieto, só assistindo, ou mesmo quem estava sem a camisa da torcida.

Na adolescência eu colava na Torcida Independente de qualquer jeito, mas depois de adulto me contentei em assistir os jogos de outros lugares, só que quando meu amigo pisou em ti se encantou de cara e quis ficar vibrando pertinho da Torcida Independente. Como a gente tava junto, topei sem questionar. 

No meio da bagaceira a torcida começou a cantar: “A Maré tá cheia/ tá, tá ,tá, tá, tá/cheia de sereia/ e o tricolor querendo golear/ Caiu na rede é peixe/lê, lê, â (Independente)/ Tricolor vai golear...”. A treta é que meu amigo cantou: “Caiu na rede é peixe/ lê, lê, â (o quê? o quê?)...  

Esse “o quê? o quê?”, foi o problema, porque você sabe como ninguém Tobogã, tem músicas que são cantadas por várias torcidas, mas cada uma cria seu estilo e meu amigo cantou do jeito que a torcida do Corinthians leva essa melodia. Na hora que a voz dele foi ouvida, os caras começaram a perguntar, quem falou ”o quê? o quê?, tem corintiano aqui”. Fiquei olhando seu piso balançando, rezando pra ninguém se ligar no  acontecido, pois só eu e você percebemos aquele vacilo.

Por sorte ninguém se manifestou, os caras deram uma bronca geral e a cantoria seguiu. Depois do jogo comentei com meu amigo se ele entendeu o que aconteceu, e ele disse que nem percebeu, porque era a primeira vez que ele ia ao estádio. Poxa Tobogã, eu só soube desse detalhe naquela hora, se soubesse antes teria aconselhado ele a ficar fora do fervo pra evitar algum “acidente de trabalho”.

Era massa também quando o São Paulo jogava algum clássico no Pacaembu como mandante. Era uma sensação fera ver todo estádio gritando e pulando durante o gol tricolor e ver somente sua parte em silêncio, congelada. A última vez que tive essa alegria foi em 2012. O São Paulo venceu o Corinthians por 3x1, com o time reserva, antes deles irem jogar o mundial no Japão. Me lembro que nesse dia fiquei impressionado com dois jogadores: O peruano Paolo Guerrero, que era do Corinthians e finalizava como ninguém, e Paulo Henrique Ganso, que mesmo correndo meio mancando por conta de uma operação, jogava vestido de terno, como dizem na gíria da bola. Lembra disso?  

Te admiro tanto, que gostava de chamar o escadão que fica atrás do gol do Centro Esportivo de Pirituba com seu nome, pois quando jogava ou torcia por algum time nesse campo, eu me sentia no Pacaembu da várzea e ficava sentado ali a tarde toda de um domingo qualquer, vendo a poeira subir na ginga dos príncipes de ladeira, esses que certamente já sonharam em correr pro abraço comemorando um gol na sua direção.

Essas são memórias que nenhuma demolição vai apagar. Com essa onda de arena e estádio gourmet, creio que até minha visita no futuro estádio (ou será arena?) do Pacaembu pode estar comprometida. Uma pena, tomara que não. Ainda bem que deu tempo de curtir bons jogos contigo, seja gritando, sorrindo, pulando, xingando ou lamentando, pois essa é a adrenalina que move uma paixão de arquibancada. Por isso, Tobogã, lamento muito sua queda. Vá em paz querida arquibancada dos visitantes, pois jamais esquecerei sua presença em minha vida. 

Meus sinceros sentimentos,

Adeus!

Michel Yakini é escritor, autor do livro Crônicas de um Peladeiro (Elo da Corrente Edições, 2014).

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