Como o futebol moldou a identidade cultural do brasileiro.

O esporte trazido da Inglaterra pelas elites se arraigou na população que tomava as cidades.

Como o futebol moldou a identidade cultural do brasileiro.
Foto: Nagalera FC

“O futebol teria numa sociedade como a brasileira, em grande parte formada de elementos primitivos em sua cultura, uma importância toda especial. E era natural que tomasse aqui o caráter particularmente brasileiro que tomou. O desenvolvimento do futebol, não num esporte igual aos outros, mas numa verdadeira instituição brasileira, tornou possível a sublimação de vários daqueles elementos irracionais de nossa formação social e de cultura”.

As palavras de Gilberto Freyre, no prefácio do livro “O Negro no Futebol Brasileiro”, são definitivas. O sociólogo descreveu a importância do futebol para a história contemporânea do Brasil em 1947. Relacionou a transformação da sociedade desde o início da República, tornando-se cada vez mais urbana, com a incorporação do futebol como paixão nacional a partir de 1895. O esporte trazido da Inglaterra pelas elites se arraigou na população que tomava as cidades. Tornou-se um elo em comum para as massas. Mais do que isso, ajudou a quebrar barreiras sociais e raciais, nas arquibancadas e nos campos.

A partir da década de 1930, o futebol viveu sua grande expansão. A popularização aconteceu muito graças à campanha na Copa de 1938, quando o brasileiro representou sua grandeza para o resto do mundo. O profissionalismo também abriu as portas para ídolos negros como Leônidas da Silva e Domingos da Guia, de identificação imediata com uma parcela da população marginalizada. Ao mesmo tempo, surgiam os primeiros estádios de multidões, como São Januário e o Pacaembu. E o Estado Novo fazia que o esporte em geral, mas o futebol em particular, se tornasse ferramenta política.

À luz desse processo, Gilberto Freyre fez sua excelente análise. Mas também previu o que se seguiria nas décadas seguintes, até os dias atuais. O futebol seguiu sendo fundamental para a sociedade brasileira. Protagonista em mudanças políticas, econômicas, sociológicas e antropológicas. O que acontecia em campo e nas arquibancadas era influenciado pelos rumos do país, mas também ajudava a reger o caminho. Algo que se repete também de maneira tão forte no âmbito cultural. Afinal, como diz Freyre, a modalidade tomou uma importância especial em uma sociedade que deixava para trás os elementos primitivos.

Diante de sua importância aos brasileiros, o futebol tem uma representação nas artes nacionais até menor do que poderia se sugerir. Entretanto, a identidade nacional se desenvolveu em paralelo ao esporte. E as mais diferentes manifestações culturais o incorporaram, em maior ou menor intensidade. O futebol se faz presente na literatura, no cinema, na dramaturgia, na música, nas artes plásticas. Principalmente, as rege de maneira indireta. Pois as concepções de expressão linguística e corporal do brasileiro nos últimos 120 anos são fortemente influenciadas pelo jogo de bola.

Para tanto, basta imaginar Garrincha, o maior artista do futebol brasileiro e o jogador preferido dos artistas brasileiros. Os dribles de Mané eram dança. Mas também metáfora, do anjo que driblava os zagueiros, as próprias pernas tortas e o destino de garoto pobre. Por isso é que o craque se tornou filme, poesia, quadro, poesia. A sua imagem tinha valor único, cultural e socialmente. O futebol, por si uma manifestação artística, se combinava com as outras para transmitir mensagens maiores. E aí é que se concentra a maior riqueza do futebol para a cultura nacional, acrescida de todas as suas particularidades regionais.

Fonte: Observatório da Discriminação Racial no Futebol