Perna fechada não toma rolinho - Crônica de Michel Yakini

O rolinho, a saínha, a caneta têm um quê de adivinhação, de indução ao erro, nem sempre a vítima tá lá esperando o óbvio.

Perna fechada não toma rolinho - Crônica de Michel Yakini
Foto: Gustave Deghilage / Edição: Nagalera

Quem já teve o mínimo de intimidade com um rachão ou com uma roda de bobo e nunca passou por isso, que atire a primeira bola!

O rolinho é a hora mais esperada da brincadeira, há quem vibre mais quando vê um rolinho, do que quando vê um gol. Causa êxtase, ainda mais pela trilha sonora com um uníssono: “Viiiiiche” ... ou com um clássico: “Olééé”... e quando não acontece, todo mundo volta pra casa mais triste.

O rolinho coloca tudo no seu devido lugar: avisa quem é que dá as cartas; deixa divida pendente; é uma provocação em silêncio; a coroação de uma goleada; o revide de uma derrota; dobra o tempo de bobo; é uma falta de respeito feita com dignidade, com finura, é humilhante: a bola corre debaixo de nossas partes íntimas sem autorização, e não há como reclamar, às vezes nem se vê, se ninguém avisa ficamos sem entender, é tão rápido que quando se vê, já foi, o freguês não tem direito a troca e nem Procon.

O rolinho, a saínha, a caneta têm um quê de adivinhação, de indução ao erro, nem sempre a vítima tá lá esperando o óbvio. Na maioria das vezes o rolinho é uma conquista, é preciso feitiço pra fazer as canelas da vítima se abrirem sem que o dono queira. Pois, o que explica aplicar um rolinho de costas? Um olho escondido na nuca? Alguma mandinga? Sorte? O rolinho é mais um segredo que a vida não revela a qualquer um.

Na pelada e na várzea o rolinho é critério de desempate, é tipo um bônus, pauta na hora da tubaína, do pão com mortadela e na rodada da breja. Já vi gente atrevida ser eleita como melhor da peleja só por causa de um rolinho bem dado, “mas fulano foi artilheiro” (“ah, mas foi na banheira!”), “mas cicrano salvou no gol” (“também, a bola veio em cima dele!”).

A mulecada quando quer se aperfeiçoar não treina chute a gol, cabeceio, mas aprimora a malícia do rolinho. Os fundamentos básicos qualquer tecnicista aprende, basta repetir, repetir, repetir, até vingar. Agora, ser artista com a bola depende de algo a mais, tá aí a rua e o terrão que não me deixam mentir. E esse tempero mora na sola do pé, é difícil de enxergar, mas é lindo de sentir e isso ninguém ensina.

Se não quer tomar um, coloque sua redinha entre as pernas ou feche as canelas, senão: Tome saínha! Dá-lhe caneta! Ó rolinho!

ATENÇÃO: Se quiser apreciar essa mágica mais de perto, evite ir aos estádios. Lá, cada vez menos se cultua essa arte, muitos sofrem represálias de técnico, companheiros e agressão dos adversários. Vá aos campos de várzea aos domingos, caminhe pelas ruas de noitinha, se não achar um “rua de cima” contra “rua de baixo”, um rachão de asfalto ou uma roda de bobinho, seguramente você não mora no Brasil.

E antes de se arriscar, lembre-se: “O MINISTÉRIO DOS SEGREDOS DA BOLA ADVERTE: TOMAR ROLINHO EM EXCESSO CAUSA BAIXA AUTOESTIMA, TONTURAS E ALTERAÇÃO DE HUMOR”.  
 

Michel Yakini é escritor, autor do livro Crônicas de um Peladeiro (Elo da Corrente Edições, 2014).

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