Ciumeira de menino - Crônica de Michel Yakini.

Michel Yakini é escritor, autor do livro Crônicas de um Peladeiro (Elo da Corrente Edições, 2014).

Ciumeira de menino - Crônica de Michel Yakini.
Foto: Nagalera FC / Jackson Monteiro

“...o verdadeiro desprazer,
naquela tarde, típica domingueira, 
foi ver você atracada aos beijos
com aquele meia-esquerda pipoqueiro...”
Marco Pezão, A Gota.

Eu era menino quando me apaixonei pela primeira vez, tinha cinco, seis anos, menino de tudo, me apaixonei. Não sabia o porquê, mas quando eu a via, ficava com o coraçãozinho batucando forte, as mãos tremendo e a voz repicando, depois descobri que essa é a tal da paixão. 

Não sei como nos conhecemos, e nem quem nos apresentou, só sei que quando os mais crescidos perceberam o meu olhar arregalado e brilhante, disseram: “Ele gosta dela, ele gosta dela...”.

Começamos a se paquerar, ela namorava um amigo meu, parecia que ele não sentia ciúmes e chamava toda molecada quando eles iam namorar. Às vezes, ele ficava bravo e levava ela embora, sem a gente entender direito. Eu ficava encabulado, sem jeito com a situação, mas nunca deixei ninguém perceber.

Depois de um tempo a gente começou a namorar, meu pai não gostava, vivia criticando, mas com a minha insistência, consentiu. Minha mãe sempre apoiou, não via nada demais. A gente vivia andando abraçados, se exibindo, mas ela, danada que só, sempre paquerou outros meninos e percebi que paquerava as meninas também, fiquei confuso no início, mas me contentei. Aprendi a ser menos egoísta por causa disso.

Era difícil, todo mundo queria lhe tratar bem, e ela, maliciosa que só, sorria. Quando a gente se reunia, ela ficava ao lado de quem a tratasse melhor. Daí entendi porque meu amigo a pegava a força e ia pra casa. Me peguei fazendo isso muitas vezes, depois me arrependia, e meus perdões sempre eram aceitos. 

Quem ama tem ciúmes, é uma máxima. A gente briga com quem for, aceita ser feito de gato e sapato, mas depois passa, é só receber um carinho que passa. Uma vez, briguei com o Flavinho e com o Dão, ficamos sem se falar por anos, eles eram mais velhos e me fizeram de bobo na frente dela, fiquei de canto, enquanto o riso deles minava meus ouvidos. Com o Flavinho me entendi depois, mas com o Dão só voltei a cumprimentá-lo quando ele já era pai de família.

Ah, mas esse namoro também tinha suas vantagens. Aprendi a dançar, ela que me ensinou, pois para namorá-la dançar é um pré-requisito, mas é preciso dançar bem, ter molejo nos pés e nos quadris. Talvez por isso ela seja tão paqueradora, quem gosta de dançar, sempre procura um bom pé de valsa, sem essa de traição ou ciúme, é pelo prazer mesmo. Quem ama quem dança é que não entende bem essas coisas.

A gente namorava no quintal, ensaiava os passos, pra depois se exibir, na escola, na rua, na praia, no parque, no clube e aonde mais desse. Ela também adorava ficar se jogando na rede, pra eu ir buscá-la no colo. É inesquecível.

Já vi casamentos destruídos por sua causa e já sofri dolorosas separações também. Acho que a melhor opção, pra não perdê-la, seja viver um triângulo amoroso, mas quem é que aceita uma relação dessas? Sinto que pra ela é indiferente, seu amor é libertário, não pertence a ninguém, só ao prazer. Adora uma paixão, mas odeia posses, essa vida quadrada, sabe?

Tentei me casar com ela e não consegui, ficamos até noivos, mas o meu castelo se esfarelou, isso é sonho de muitos e privilégio de poucos.

Peripécias do destino: um longo afastamento. Fiquei triste e prometi nunca mais vê-la, por anos evitei encontrá-la, espiava de longe, sem tocá-la.  Já vivi outros amores, mas ela não saiu da minha cabeça.

Ela é exibida, gosta de chamar a atenção, adora ser contemplada, ser musa inspiradora. Só que quanto mais o tempo passa, ficamos menos íntimos. De vez em quando nos encontramos e mesmo sem o mesmo pique ainda percorro seus giros, suas voltas, sua forma, sua magia, mas não decifro seus segredos como antes, não acompanho seu ritmo. Ela goza de eterna juventude, sempre preferiu os mais novos e quando eu não tiver mais força pra correr atrás dela, me resta admirá-la, vê-la desfilar por aí e invejar sua paixão por um outro qualquer.

Michel Yakini é escritor, autor do livro Crônicas de um Peladeiro (Elo da Corrente Edições, 2014).

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